segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A Liderança e o desafio para valorizar o Capital Psicológico das corporações e das pessoas

Olá!


Recentemente encerrei a releitura de um livro que gosto muito: A Incrível Viagem de Shackleton, escrito por Alfred Lansing em 1959. Resumidamente, trata da história de uma expedição comandada por Sir Ernest Shackleton que tinha como objetivo principal a travessia por terra do continente antártico.

Pois bem, não vou fazer uma resenha do livro, mas o que chama a atenção é que, apesar de toda a experiência de Shackleton e dos 27 membros da expedição, da alta qualidade dos recursos disponibilizados ao grupo na época e todo o minucioso planejamento elaborado, a expedição não deu certo, isso mesmo, foi um fracasso, não atingiu os objetivos definidos. O grupo chegou a 150 quilômetros da costa da Antártica depois de partirem da Geórgia do Sul rumo ao continente antártico em 05 de dezembro de 1914, a bordo do mais moderno navio de águas polares já construído até então, o Endurance.

O mais interessante é que o fracasso dessa expedição não se deu pela incompetência do grupo, pela falta de planejamento ou ainda pela escassez de recursos de alta qualidade, não, o motivo principal que levou ao fracasso tamanha operação foi que, de forma inesperada para o período da partida, o Mar de Weddel congelou impedindo que a embarcação atingisse a costa da Antártica antes de ser destruída pela pressão dos enormes bancos de gelo.

Shackleton e seus homens retornaram a salvo depois de 17 meses enfrentando, em condições extremamente precárias, toda sorte de tormentas e nevascas, temperaturas que chegaram a 25° graus Celsius negativos, falta de alimento, queimaduras pelo frio extremo, resfriados. Enfim, a expedição se caracterizou pela extrema luta pela sobrevivência em um ambiente hostil e totalmente incontrolável.

Para que conseguissem retornar a salvo dessa experiência que beirou a uma tragédia, a liderança de Shackleton foi fundamental. Todos os que compunham sua equipe foram contratados diretamente por ele, sendo que sua maior preocupação não era tanto com as competências técnicas de cada um, pois isso poderia ser desenvolvido durante a viagem, mas, principalmente, com o preparo emocional e psicológico diante das dificuldades que seriam enfrentadas. Tanto que já era prevista a possibilidade de naufrágio, dada as agressivas características climáticas do Pólo Sul.

E o que tem essa história a ver com o título deste texto? Tem tudo a ver. Há cerca de dois anos o mundo enfrentou uma crise econômica de proporções extraordinárias, instituições financeiras tida como as mais sólidas do planeta faliram, empregos foram ceifados do dia para noite e a maior economia do globo se viu quase que em estado falimentar, a ponto de, pasmem, o governo norte americano ter promovido a maior estatização de sua história para evitar que a grande depressão dos anos 1930 se repetisse.

As economias dos países se viram enfrentando um tsunami de dificuldades. Investimentos cancelados, desemprego crescente, recessão, falta de crédito, bolsas despencando, problemas macro-econômicos de diversos países, até então escondidos, sendo escancarados e afetando ainda mais as economias dos países desenvolvidos.

De forma análoga, os membros da expedição liderada por Shackleton se viram inseridos em um contexto de absoluto caos, totalmente à mercê das forças da natureza, diante do mais profundo quadro de incerteza possível, privados de recursos importantes e ainda tendo que lidar com a fadiga psicológica, emocional e física que resultava da situação que estavam vivendo.

Como, dadas as circunstâncias de absoluta incerteza, Shackleton poderia motivar seus homens para que estes não perdessem as esperanças de, num primeiro momento, lutar para conseguir chegar a costa da Antártica e seguir com a expedição até cumprir seu objetivo e, num segundo e derradeiro momento, admitir que a missão havia fracassado na conquista de seu objetivo principal por conta de forças que não controlavam e que o novo objetivo seria o de sobreviverem diante dessas forças até que conseguissem ser resgatados?

A resposta a essa questão está, em boa parte em um conceito novo que foi formulado por Fred Luthans, em trabalho realizado no Instituto de Liderança da Universidade de Nebraska nos Estados Unidos, mas que havia sido posto em prática por Shackleton mais de 100 anos atrás: o conceito de Capital Psicológico, gravem esse nome.

O Capital Psicológico surgiu como resultado da aplicação de princípios básicos da Psicologia Positiva. Pode se definir o Capital Psicológico como um conjunto de características positivas que formam a personalidade, que é empregada na vida profissional e que podem fazer diferença na performance entre indivíduos e grupos de indivíduos.

Nesse trabalho foram destacados quatro fatores considerados importantes para ganhos de desempenho: a vontade, o otimismo, a resiliência e a autoconfiança. Estes fatores combinados entre si, no todo ou em parte, são determinantes para diferenciar pessoas que fazem a diferença diante daquelas que apresentam performance mediana. Mas a boa notícia é que estas quatro características podem ser conquistadas ou reforçadas por qualquer um, mas em geral, isso ocorre quando se tem o apoio de alguém, um professor, um mentor, um líder, um amigo que nos ajude a ver as coisas de forma diferente da que vemos. Shackleton fez isso com seus homens.

Para que pudessem sobreviver durante 17 meses presos nas geleiras da Antártica, tentando buscar formas de chegarem a algum ponto geográfico que permitisse o resgate, Shackleton teve de sacarrolhar essas características daqueles que as tinham escondidas e potencializar ainda mais dos que já as tinham afloradas. Tudo isso à custa de muitos exemplos positivos, exercendo uma liderança que até hoje é tida como modelo.

Fred Luthans, o pai do conceito de Capital Psicológico, afirma que interações diárias que se concentrem nas quatro características psicológicas destacadas (vontade, otimismo, resiliência e autoconfiança) através de um líder que tenha essas características bem desenvolvidas é capaz de transformar de forma positiva e radical o moral e a performance de uma equipe.

Há diversos exemplos de como Shackleton conseguia manter os demais membros da expedição motivados, mas é possível destacar um padrão psicológico no grande líder que ele foi naquele momento:

- Shackleton se conhecia muito bem, se observava sempre a fim de perceber quando seus homens estavam reagindo de forma negativa a determinada situação, ficava atento aos pequenos sinais mandados por eles e sempre que possível, tomava suas decisões pautado pelo apoio dos mais próximos a ele;

- Dar destaque ao sucesso de cada um de seus homens diante de desafio que haviam superado no passado era uma forma que Shackleton utilizava para obter o melhor deles em novos desafios, e foram muitos, podem crer. Ele sempre apontava quais os fatos que levaram ao sucesso e qual a lição que se obtivera, dando aos seus homens uma maior compreensão de suas potencialidades reais e não meramente ilustrativas. Sempre se baseava em fatos;

- Como já citei, Shackleton havia escolhido pessoalmente cada um dos membros da expedição e sabia muito bem quais seus pontos fracos e fortes, tanto que as estratégias sempre foram estabelecidas tentando levar em conta o perfil de seu grupo e não forçando a adaptação de seus homens ao seu estilo. Com isso, ele se concentrava em reforçar os pontos fortes de cada um conquistando cada vez mais aplicação, principalmente em momentos extremos onde a vida e morte se encontravam e o desespero parecia ser a única alternativa à vista;

- Além de atividades diárias que eram devidamente divididas entre os homens, tais como, observação do tempo e do movimento das geleiras para identificar posicionamento geográfico, caçar pingüins e focas quando estas se encontravam a pouca distância do acampamento, cozinhar, manter o acampamento em ordem, manter os equipamentos limpos e prontos para serem utilizados a qualquer momento, Shackleton também estabelecia planos desafiadores para que pudessem avançar na busca de viabilizarem o resgate, mas sempre tomava o cuidado de não ser demasiadamente cauteloso nem audacioso. Ficava claro para todos que os desafios iriam demandar muito esforço, mas um esforço possível de ser realizado diante das potencialidades momentâneas de todos e da urgência da situação;

- Shackleton sempre tomava o cuidado de preparar sua equipe para ativarem planos B e C diante de qualquer situação. Formas alternativas de executar uma tarefa ou de utilizar um recurso a disposição sempre eram abordados e desenvolvidos junto com o grupo. Com isso, caso ocorresse algum contratempo ou algo desse errado, todos estariam mais preparados para enfrentar a situação e seguir em frente através de outros meios, com o mínimo de frustração e, principalmente, sem pânico;

- Enfrentar a vastidão gelada da Antártica na eminência de perder a vida a qualquer momento não permitia que erros não fossem apontados e discutidos. Shackleton sempre se pautava por fatos e nunca apontava o dedo a qualquer um de seus homens de forma leviana. Quando ocorriam erros ou os resultados obtidos estavam aquém do planejado, ele dissecava o assunto sempre baseado em fatos de forma que os envolvidos reconhecessem naturalmente suas falhas, inclusive o próprio Shackleton, que apesar da liderança não estava livre de falhas;

- E por último e não menos importante, Sheckleton aproveitava todos os momentos para interagir com seu grupo de forma a destacar-lhes os pontos positivos e reforçá-los, prestando sua assistência aos que mais necessitavam de apoio num momento de tantas dificuldades. Shackleton não se esquivava de quaisquer atividades físicas que demandassem apoio de todos e sempre aproveitava o momento para reforçar o moral do grupo através de seus bons exemplos, levando esperança a todos os seus homens.

Os exemplos de Shackleton de como promover o crescimento do Capital Psicológico de seus homens vão ao encontro com o que aponta o trabalho de Fred Luthans sobre a importância do Capital Psicológico para as empresas e o papel das lideranças para que este seja crescente. O crescimento constante do Capital Psicológico de uma empresa é algo extremamente factível, não demanda grandes alocações orçamentárias, grandes planejamentos de ações, discussões em comitês ou conselhos de acionistas. Basta que a liderança se sirva de colaborar de forma ativa para o desenvolvimento da vontade, do otimismo, da resiliência e da autoconfiança nas pessoas que estão ao seu lado, liderados ou pares.

O Capital Psicológico tem se mostrado tão importante para as corporações superarem momentos difíceis e continuarem a crescer que, nesse sentido, o Instituto Gallup desenvolveu sua “Prática Baseada em Pontos Fortes” (strength-based practice) e está implantando, com sucesso, em diversas empresas dos Estados Unidos. Essas práticas fornecem evidências de que uma companhia que constrói suas bases sobre os pontos fortes de seus funcionários em contra-ponto à exigência de que o funcionário se adapte à companhia, passa a ter resultados muito superiores.

Empresas que apóiam suas ações pautada pelo crescimento do Capital Psicológico estão menos sujeitas a serem atingidas pelas turbulências dos mercados e da economia, reagem mais rapidamente a mudanças e se reposicionam com facilidade, crescem suas margens de lucro, conquistam mais e melhores clientes. Portanto, movimentar recursos para promover o bem estar emocional dos funcionários de forma que estes possam estar receptivos à atuação da liderança na promoção das características que são responsáveis pela melhoria do desempenho de cada um passa a ser obrigação caso esta queira uma mudança efetiva de patamar no volume e na qualidade de seus resultados, principalmente em momentos difíceis em que o controle escapa das mãos como foi o caso da expedição de Shackleton e como é o caso em todas as crises globais.

Para preparar o terreno para isso, é importante que as corporações valorizem a conquista de níveis mais altos de qualidade de vida por parte de seus funcionários e criem condições para tal. Há diversos modelos de programas que foram implementados por várias empresas no Brasil, mas um item importante e que não pode ficar de fora é o Programa de Assistência Psicossocial que tem um papel importante como catalisador na conquista de ganhos para o Capital Emocional em conjunto com as ações da liderança.

Ah, caso você ainda não tenha lido o livro que citei, recomendo que leia, é uma história emocionante que prende o leitor. O livro foi editado pela Sextante e está disponível nas boas livrarias.

Um abraço,

Alberto Matos

Nenhum comentário:

Postar um comentário